20.1.10

ESCAPAR OU FICAR ?


" A liberdade , Sancho, é um dos bens mais preciosos que os céus nos deram; a ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra e os mares encobrem..." assim falava D. Quixote no conhecido romance de Miguel Cervantes. Desde a célebre prisão Marmetina dos romanos até aos ultramodernos presídios do século XXI, há registos de evasões ou de tentativas de evasão . A fuga mais conhecida da antiguidade é a de Espartacus , um escravo trácio que fugiu da cidade de Capua , no ano 73 antes de Cristo para acabar por reunir 100.000 homens que lutaram contra Roma. Ao longo da Idade Média numerosos personagens continuaram a elaborar fugas memoráveis mas a escassez de documentação faz com que só a partir do século XVI comecem a aparecer fugitivos, com nomes e apelidos. No século XIX aparece uma literatura romanceada de grandes fugas como, por exemplo, no romance " O Conde de Monte Cristo" de Alexandre Dumas. Se, neste romance, Edmond Dantès consegue fugir da prisão da ilha de If, ao fim de catorze anos , para se vingar da injustiça contra ele cometida, a realidade pode superar a ficção e as experiências de personagens de carne e osso assim o comprovam. As fugas reais foram praticadas com mestria consumada, onde o engenho, tenacidade e audácia foram requisitos indispensáveis para vencer os obstáculos ,à priori intransponíveis , das masmorras ,das celas solitárias no alto de torres ou sofisticadas prisões de aço e cimento armado. Criminosos, ladrões , prisioneiros de guerra, escravos, plebeus, reis, políticos, etc , todos eles retidos contra a sua vontade e vigiados de perto por outros seres humanos , efectuaram fugas inacreditáveis. São fugas individuais , de pequenos grupos, mas também em massa como a de 600 judeus do campo de extermínio de Sobibor. Outro exemplo é o do castelo de Colditz de onde, durante a 2ª guerra mundial, 32 oficiais aliados conseguiram fugir graças a artimanhas de todo o tipo, incluindo um planador caseiro. Quando o muro de Berlim começou a ser construído (1961) e ainda só era uma cerca de arame farpado, o soldado Conrad Schumann foi designado para guardar essa rede na rua Bernauer. O comunista Schumann, quando se viu sozinho montando guarda, não pensou duas vezes : deitou fora a sua espingarda e saltou a rede de arame farpado para o outro lado sendo esta, na verdade, a primeira fuga da RDA para a liberdade.




O muro cresceu em cimento e em armadilhas tecnológias mas ao longo dos seus 155 Kms, e 28 anos de existência, muitas fugas tiveram lugar . Em 1963, um grupo começou a escavar um túnel de 145 metros de comprimento e 80 cms de diâmetro sob o muro e por ele escaparam 57 pessoas nos dias 3 e 4 de Outubro de 1964. Anos mais tarde , duas famílias cruzaram a fronteira num balão de ar quente , na noite de 16 para 17 de Setembro de 1979. Qualquer evasão comporta riscos de vida , não só dentro do recinto prisional como fora dele. No exterior, o espaço e o tempo são primordiais pois em alguns casos o fugitivo só está a salvo ao fim de milhares de Kms. Em relação ao muro de Berlim nem todos tiveram sorte ; entre 1961 e 1989, 136 pessoas foram mortas, abatidas a tiro ou electrocutadas. Algumas outras fugas podem ter mudado a História. Vejamos alguns exemplos: Se Luis XVI e a sua família não tivessem sido recapturados em Varennes e tivessem passado a fronteira, teria havido a Revolução Francesa ? Haveria República ou teria a França sido sempre uma monarquia? Quando comandos de Hitler libertaram Mussolini da prisão de Abruzzos teriam alterado o rumo da guerra ? Se Winston Churchill, na altura um jovem oficial inglês prisioneiro dos Boers, não tivesse fugido, talvez nunca tivesse atingido o prestígio que o levou a 1º Ministro durante a 2ª Guerra Mundial. Sem ele como ministro a condução da guerra teria sido diferente . Se Álvaro Cunhal não se tivesse evadido do Forte de Peniche, com a conivência comprada de um guarda da GNR, a acção política do PCP teria sido a mesma ? Individuais ou em grupo, fortuitas ou meticulosamente preparadas, recordadas ou silenciadas, triunfantes ou malogradas , as evasões forjaram uma história própria que pode ter tido influência na história colectiva. Pelo que dissemos, podemos perceber que a fuga seja uma" questão de honra" entre os oficiais que se encontrem na situação de prisioneiros de guerra.

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