8.3.10

Aspectos geológicos da ilha da Madeira


Os recentes e muito graves acidentes naturais ocorridos em 20 de Fevereiro no Funchal (Madeira), provocados por pluviosidade anormal e pela orografia da ilha, levaram-me a descrever alguns aspectos geológicos desta região. O arquipélago da Madeira, constituído pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, além dos ilhéus Selvagens e Desertas, é de origem vulcânica .Este arquipélago está intimamente ligado à formação (abertura) do oceano Atlântico, fenómeno que começou há muitos milhões de anos, mais ou menos há cerca de 200 milhões. As ilhas tiveram origem numa ascensão de magma a partir de um “ponto quente” no Manto Superior da placa Africana . O ponto quente ou "hot spot", é uma estrutura geológica que emite uma “pluma” de material magmático em direcção à superfície da crosta, perfurando a placa litológica. No caso vertente, e dado que esta placa designada de Africana se deslocava no sentido W-E, a pluma foi assim dando origem às várias ilhas e ilheus do arquipélago. Claro que ao longo dos milhões de anos a estrutura das ilhas se foi modificando e, por isso, a ilha da Madeira é hoje formada por dois grandes maciços: o Maciço Vulcânico Central, que ocupa a região central da ilha e onde predomina material de origem vulcânica explosiva como os grandes blocos, bombas, lapilli , cinzas, etc. numa disposição caótica, resultado dos diversos centros de erupção, isto é, de diferentes crateras, hoje muito difíceis de localizar. A pouca coesão do material piroclástico atrás citado permitiu, por erosão, a formação de profundos vales e gargantas, constituindo a morfologia das ribeiras Brava, dos Socorridos, de Machico, S. Vicente e Faial, para só falar das principais. Foi esta pouca coesão e as fortes chuvadas que provocaram o desastre natural ocorrido em 22 Fevereiro de 2010 e de que as televisões de todo o mundo deram notícia. Já a zona plana do maciço do Paul da Serra corresponde a uma plataforma estrutural originada por derrames basálticos, que se encontram dispostos levemente inclinados para SW. Mas não fica por aqui a confusa geomorfologia desta “pérola do Atlântico”!Em torno da ilha da Madeira, formaram-se calcários de recifes de corais, posteriormente erodidos, sendo muito visível o afloramento de calcários de S. Vicente, este a uma cota superior ao actual nível do mar. Posteriormente, as formações de origem sedimentar foram cobertas por novas camadas de materiais eruptivos. A ilha encontra-se recortada por muitos filões de orientações diversas, formando linhas de cumeada vigorosas, como é o caso dos troços superiores da ribeira Brava , no denominado caminho da Encumeada. A grande maioria das formações geológicas da ilha da Madeira são rochas vulcânicas extrusivas ( o magma arrefeceu no exterior) tais como: rochas lávicas, efusivas, muito compactas, ou porosas resultantes de escoadas basálticas , quer dos episódios de actividade explosiva do centro de emissão. Têm inclinações diversas e são mais acentuadas à periferia da ilha. As escoadas basálticas apresentam-se, no geral, escoriáceas na parte superior. São frequentes os aspectos de disjunção prismática. São também comuns certas estruturas que o geólogo Grabham designou por disjunção em lajes, resultante da separação das escoadas basálticas por juntas paralelas às camadas. Mas mais frequentes são os aspectos de disjunção esferoidal , formada por camadas concêntricas de rocha basaltica alterada pelos agentes de meteorização externa. (A rocha basáltica vai-se alterando de fora para dentro em camadas concêntricas , tal como acontece com o descascar de uma cebola que sai em camadas concêntricas) Aparece também um tipo de escória vulcânica, porosa , designada pelos madeirenses por “cantaria rija”, por ser muito usada em cantaria das casas Entre as rochas piroclásticas, existe uma grande variedade de materiais, desde enormes blocos a cinzas muito finas, passando por termos intermédios como já referimos anteriormente. O litoral da ilha relaciona-se com a plataforma submarina. Segundo alguns autores esta tem maior largura a Norte, face à que se situa a Sul, à semelhança do que acontece no Porto Santo. Este facto tem sido interpretado, como maior capacidade de abrasão no litoral virado a Norte .


A propósito da recente enxurrada que ocorreu na Ilha da Madeira e que tantos estragos provocou encontrámos um texto premonitório do acontecimento que transcrevemos na íntegra:

O engenheiro silvicultor Cecílio Gomes da Silva, falecido em 2005, publicou um artigo em que descreve de maneira bastante aproximada o que viria a acontecer na Madeira .( Artigo publicado no dia 13 de Janeiro de 1985 no jornal "Diário de Notícias" do Funchal )
Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da Ilha da Madeira, muito especialmente da região a Norte do Funchal e que constitui as bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para o Funchal, dando-lhe aquela fisiografia de perfeito anfiteatro, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma das mais torrenciais dessas ribeiras - a de Santa Luzia - o mundo dos meus sonhos é frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira. Tive um sonho.
Adormecendo ao som do vento e da chuva fustigando o arvoredo do exemplar Bairro dos Olivais Sul onde resido, subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu.
Acompanhavam-me dois dos meus irmãos - memórias do tempo da Juventude - em que nós, depois do almoço, íamos a pé, subindo a Ribeira de Santa Luzia e trepando até à Alegria por alturas da Fundoa, até ao Pico das Pedras, Esteias e Pico Escalvado. Mas no sonho, a meio da escadaria de lascas de pedra, o vento fez-nos parar, obrigando-nos a agarrarmo-nos a uns pinheiros que ladeavam a pequena levada que corria ao lado da escadaria. Lembro-me que corria água em supetões, devido ao grande declive, como nesses velhos tempos. De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. O tempo passava e um ruído ensurdecedor, semelhante a uma trovoada, enchia todo o espaço. Quanto durou, é difícil calcular em sonhos. Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. De onde me encontrava via-os transformarem-se numa só torrente de lama, pedras e detritos de toda a ordem. A Ribeira de Santa Luzia, bloqueada por alturas da Ponte Nova - um elevado monturo de pedras, plantas, arames e toda a ordem de entulho fez de tampão ao reduzido canal formado pelas muralhas da Rua 31 de Janeiro e da Rua 5 de Outubro - galgou para um e outro lado em ondas alterosas vermelho acastanhadas, arrasando todos os quarteirões entre a Rua dos Ferreiros na margem direita e a Rua das Hortas na margem esquerda. As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé - único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. A Ribeira de João Gomes quase não saiu do seu leito até alturas do Campo da Barca; aí, porém, chocando com as águas vindas da Ribeira de Santa Luzia, saltou pela margem esquerda formando um vasto leito que ia desaguar no Campo Almirante Reis junto ao Forte de S. Tiago. A Ribeira de S. João, interrompida por alturas da Cabouqueira fez da Rua da Carreira o seu novo leito que, transbordando, tudo arrasou até à Avenida Arriaga. Um tumultuoso lençol espumante de lama ia dos pés do Infante D. Henrique à muralha do Forte de S. Tiago. O mar em fúria disputava a terra com as ribeiras. Recordo-me de ver três ilhas no meio daquele turbilhão imenso: o Palácio de S. Lourenço, A torre da Sé e a fortaleza de S. Tiago. Tudo o mais tinha desaparecido - só água lamacenta em turbilhões devastadores. Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer. Acordado o resto da noite por tremenda insónia, resolvi arborizar toda a serra que forma as bacias dessas ribeiras. Continuei a sonhar, desta vez acordado. Quase materializei a imaginação; via-me por aquelas chapas nuas e erosionadas, com batalhões de homens, mulheres e máquinas, semeando urze e louro, plantando castanheiros, nogueiras, pau-branco e vinháticos; corrigindo as barrocas com pequenas barragens de correcção torrencial, canalizando talvegues, desobstruindo canais. E vi a serra verdejante; a água cristalina deslizar lentamente pelos relvados, saltitando pelos córregos enchendo levadas. Voltei a ouvir os cantares dolentes dos regantes pelos socalcos ubérrimos das vertentes. Foram dois sonhos. Nenhum deles era real; felizmente para o primeiro; infelizmente para o segundo.

Oxalá que nunca se diga que sou profeta. Mas as condições para a concretização do pesadelo existem em grau mais do que suficiente.
Os grandes aluviões são cíclicos na Madeira. Basta lembrar o da Ribeira da Madalena e mais recentemente o da Ribeira de Machico. Aqui, porém, já não é uma ribeira, mas três, qualquer delas com bacias hidrográficas mais amplas e totalmente desarborizadas. Os canais de dejecção praticamente não existem nestas ribeiras e os cones de dejecção estão a níveis mais elevados do que a baixa da cidade. As margens estão obstruídas por vegetação e nalguns troços estão cobertas por arames e trepadeiras. Agradável à vista mas preocupante se as águas as atingirem. Estão criadas todas as condições, a montante e a jusante para uma tragédia de dimensões imprevisíveis (só em sonhos).
Não sei como me classificaria Freud se ouvisse este sonho. Apenas posso afirmar sem necessidade de demonstrações matemáticas que 1 mais 1 são 2, com ou sem computador. O que me deprime, porém, é pensar que o segundo sonho é menos provável de acontecer do que o primeiro. DEI O ALARME PENSEM NELE

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